De vez em quando vou até ai…
gosto disso, dessa terra, dessa penedia a quem o tempo deu um ar macio de
travesseiro, amansando as arestas, e que no entretanto fez essa terra fértil que
tudo cria. A última vez fui à azeitona… e tento deixar-vos o que senti… Pinhel
/ Valbom 15 de Dezembro de 2012
A apanha da azeitona tem
significados diferentes para espíritos diferentes. Para uns representa apenas
um trabalho, mais duro que os outros, quer por força dos rigores do tempo, quer
pela dureza da tarefa em si. Para outros ainda, reveste-se do misticismo que a associação
ao azeite propícia. Afinal a azeitona é apreciada em tantas vertentes que não a
valorizar é uma heresia. Em terras de Valbom, para a maioria das pessoas, parece
ser apenas um trabalho difícil, mas que precisa ser feito, cumprindo os tempos adequados,
pois que só o frio curte a azeitona ate lhe deixar o precioso azeite em termos
de ser extraído. De Coimbra partem visitantes de dois tipos, já assíduos e
batidos nesse trabalho, outro ainda verde e virgem. Uns levam alguma apreensão porque
sabem da dureza que vão enfrentar, outro leva algum receio pelo que lhe foi
dito, que depois é acrescido por saber que outras pessoas, para além das do
costume, aquelas que já conhece e que a conhecem, estarão no campo. Fica o
receio de não ser capaz de cumprir, sabendo contudo que dará o seu melhor, o
que fizer será o melhor que consegue. Chegam a Valbom já bem perto das nove,
porque foram alguns os entraves logísticos que se colocaram à viagem. O frio
que aterrorizou as mentes esqueceu-se de vir e mesmo a chuva, que tão anunciada
foi, parece estar para outras paragens. Os trabalhos já tinham sido começados e
os visitantes, com a farpela de trabalho vestida apenas tiveram que pegar na
ferramenta. Para ele estava um varapau à espera, com o qual iria vergastar as
oliveiras pra lhe arrancar as azeitonas. Para elas esperavam as lonas e os
baldes (que por estas terras tem outros nomes!). As primeiras servem para
forrar o chão e apanhar as azeitonas que os homens com a força de braços
derrubam. Os baldes permitem recolher as azeitonas que se escapam ou que o
vento já se tinha encarregue de varejar, este sim é um trabalho duro, que verga
as costas e desgasta os dedos, por força da fricção com o restolho das ervas ou
com as lamas deixadas pela chuva. Para quem assiste pela primeira vez o espetáculo
é doloroso. Dói ver as jovens oliveiras a ser vergastadas com força, mesmo sem
ser com violência, que é um bater duro mas doce, se a antítese for permitida.
Sente-se a gratidão da colheita na forma como se manuseia o varapau. Para quem
apanha as lonas não é muito duro, exige alguma velocidade e destreza mas nada
de transcendente. Por volta das dez horas come-se o farnel, que a Lucinda
arranjou com carinho e desveio, pão e queijo, bola de carne, bolo-rei que o
tempo já sido nos lembra e vinho para temperar a lama. E de novo se começa o
trabalho, com uma ou outra ameaça de chuva (que umas conversas com S. Pedro vão
resolvendo) mas com uma falta de frio que obriga a despir as sucessivas camadas
de roupa. Para quem estas lides são novidade é delicioso olhar para as
azeitonas e sentir as suas rugas, aperta-las entre os dedos e sentir que por
baixo da aparente dureza se esconde uma polpa suave e mole. Até apetece comer,
mas memórias de experiencias de infância fazem assomar um sorriso aos olhos e
deixar os apetites para depois, com outras, que a água e o sal tenham tornado
mais doces. São feitos os mesmos caminhos que em Setembro permitiram recolher
as uvas. Esta terra produz em abundancia dois dos mais preciosos líquidos da
cultura gastronómica do nosso país, o vinho e o azeite. Não deixa de ser
interessante constatar que os locais que os acolhem são os mesmos. Será a
terra? Será o clima? Será o casamento de ambos, terra e clima, que permite a
proximidade de oliveiras e videiras em perfeita harmonia? É uma terra abençoada
esta… por aqui tudo se cria, numa completa antítese às leis de Lavoisier,
parece quase um desafio… Embora com dificuldade, conseguiu fazer-se toda a
colheita. De regresso a casa falta ainda erguer todo o fruto para eliminar as
folhas que foram varejadas junto com as azeitonas. Este processo consiste em
fazer passar os frutos por uma máquina que possui uma ventoinha que faz sair as
folhas e recolhe os frutos. Este sim é um trabalho duro que obriga a um esforço
físico intenso, sobretudo para quem passou o dia a manusear um varapau mais ou
menos pesado. No atrelado do trator, essa ferramenta de trabalho preciosa que
tanto poupa aos braços dos homens e mulheres e às pernas dos burros, são transportadas
as azeitonas, quando se enche a azeitona para os baldes, potes por estas
bandas, o chão vai-se tornando mais e mais escorregadio graças às azeitonas
esmagadas pelos pés, que vão libertando os seus sucos, deixando uma pelicula de
gordura que obriga a um exercício de cuidado continuo para evitar o tombo. Por baixo,
junto à máquina, o encher dos sacos obriga os homens a um cuidado e a uma
destreza para impedir que se derrame azeitona e assim evitar mais trabalho.
Quando as ultimas azeitonas foram vertidas para a máquina o corpo foi
autorizado a acusar algum cansaço, faltava apenas arrumar o folhedo e depois
rumar ao banho e à janta que a hora era chegada. Para esse jantar estava
prevista uma feijoada de cogumelos, que embora tardia acabou por sair. O serão,
esse foi como sempre em casa do Pedro, longo, muito longo, com a conversa que
se faz à volta de um (ou vários!) copo e um queijo. O domingo chegou rápido e
com bastante chuva, mesmo assim permitiu uma saída rápida até à horta para colher
umas nabiças, uns grelos e umas couves que mais tarde, e mais para sul, ajudam
a mitigar alguma nostalgia que deixam a terra e as gentes de Valbom.
Autoria: Anabela Bragança
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