quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A apanha da azeitona

De vez em quando vou até ai… gosto disso, dessa terra, dessa penedia a quem o tempo deu um ar macio de travesseiro, amansando as arestas, e que no entretanto fez essa terra fértil que tudo cria. A última vez fui à azeitona… e tento deixar-vos o que senti… Pinhel / Valbom 15 de Dezembro de 2012

A apanha da azeitona tem significados diferentes para espíritos diferentes. Para uns representa apenas um trabalho, mais duro que os outros, quer por força dos rigores do tempo, quer pela dureza da tarefa em si. Para outros ainda, reveste-se do misticismo que a associação ao azeite propícia. Afinal a azeitona é apreciada em tantas vertentes que não a valorizar é uma heresia. Em terras de Valbom, para a maioria das pessoas, parece ser apenas um trabalho difícil, mas que precisa ser feito, cumprindo os tempos adequados, pois que só o frio curte a azeitona ate lhe deixar o precioso azeite em termos de ser extraído. De Coimbra partem visitantes de dois tipos, já assíduos e batidos nesse trabalho, outro ainda verde e virgem. Uns levam alguma apreensão porque sabem da dureza que vão enfrentar, outro leva algum receio pelo que lhe foi dito, que depois é acrescido por saber que outras pessoas, para além das do costume, aquelas que já conhece e que a conhecem, estarão no campo. Fica o receio de não ser capaz de cumprir, sabendo contudo que dará o seu melhor, o que fizer será o melhor que consegue. Chegam a Valbom já bem perto das nove, porque foram alguns os entraves logísticos que se colocaram à viagem. O frio que aterrorizou as mentes esqueceu-se de vir e mesmo a chuva, que tão anunciada foi, parece estar para outras paragens. Os trabalhos já tinham sido começados e os visitantes, com a farpela de trabalho vestida apenas tiveram que pegar na ferramenta. Para ele estava um varapau à espera, com o qual iria vergastar as oliveiras pra lhe arrancar as azeitonas. Para elas esperavam as lonas e os baldes (que por estas terras tem outros nomes!). As primeiras servem para forrar o chão e apanhar as azeitonas que os homens com a força de braços derrubam. Os baldes permitem recolher as azeitonas que se escapam ou que o vento já se tinha encarregue de varejar, este sim é um trabalho duro, que verga as costas e desgasta os dedos, por força da fricção com o restolho das ervas ou com as lamas deixadas pela chuva. Para quem assiste pela primeira vez o espetáculo é doloroso. Dói ver as jovens oliveiras a ser vergastadas com força, mesmo sem ser com violência, que é um bater duro mas doce, se a antítese for permitida. Sente-se a gratidão da colheita na forma como se manuseia o varapau. Para quem apanha as lonas não é muito duro, exige alguma velocidade e destreza mas nada de transcendente. Por volta das dez horas come-se o farnel, que a Lucinda arranjou com carinho e desveio, pão e queijo, bola de carne, bolo-rei que o tempo já sido nos lembra e vinho para temperar a lama. E de novo se começa o trabalho, com uma ou outra ameaça de chuva (que umas conversas com S. Pedro vão resolvendo) mas com uma falta de frio que obriga a despir as sucessivas camadas de roupa. Para quem estas lides são novidade é delicioso olhar para as azeitonas e sentir as suas rugas, aperta-las entre os dedos e sentir que por baixo da aparente dureza se esconde uma polpa suave e mole. Até apetece comer, mas memórias de experiencias de infância fazem assomar um sorriso aos olhos e deixar os apetites para depois, com outras, que a água e o sal tenham tornado mais doces. São feitos os mesmos caminhos que em Setembro permitiram recolher as uvas. Esta terra produz em abundancia dois dos mais preciosos líquidos da cultura gastronómica do nosso país, o vinho e o azeite. Não deixa de ser interessante constatar que os locais que os acolhem são os mesmos. Será a terra? Será o clima? Será o casamento de ambos, terra e clima, que permite a proximidade de oliveiras e videiras em perfeita harmonia? É uma terra abençoada esta… por aqui tudo se cria, numa completa antítese às leis de Lavoisier, parece quase um desafio… Embora com dificuldade, conseguiu fazer-se toda a colheita. De regresso a casa falta ainda erguer todo o fruto para eliminar as folhas que foram varejadas junto com as azeitonas. Este processo consiste em fazer passar os frutos por uma máquina que possui uma ventoinha que faz sair as folhas e recolhe os frutos. Este sim é um trabalho duro que obriga a um esforço físico intenso, sobretudo para quem passou o dia a manusear um varapau mais ou menos pesado. No atrelado do trator, essa ferramenta de trabalho preciosa que tanto poupa aos braços dos homens e mulheres e às pernas dos burros, são transportadas as azeitonas, quando se enche a azeitona para os baldes, potes por estas bandas, o chão vai-se tornando mais e mais escorregadio graças às azeitonas esmagadas pelos pés, que vão libertando os seus sucos, deixando uma pelicula de gordura que obriga a um exercício de cuidado continuo para evitar o tombo. Por baixo, junto à máquina, o encher dos sacos obriga os homens a um cuidado e a uma destreza para impedir que se derrame azeitona e assim evitar mais trabalho. Quando as ultimas azeitonas foram vertidas para a máquina o corpo foi autorizado a acusar algum cansaço, faltava apenas arrumar o folhedo e depois rumar ao banho e à janta que a hora era chegada. Para esse jantar estava prevista uma feijoada de cogumelos, que embora tardia acabou por sair. O serão, esse foi como sempre em casa do Pedro, longo, muito longo, com a conversa que se faz à volta de um (ou vários!) copo e um queijo. O domingo chegou rápido e com bastante chuva, mesmo assim permitiu uma saída rápida até à horta para colher umas nabiças, uns grelos e umas couves que mais tarde, e mais para sul, ajudam a mitigar alguma nostalgia que deixam a terra e as gentes de Valbom.


Autoria: Anabela Bragança



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