segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A fogueira no adro da Igreja

As batidas ledas do sino espalham-se pelo adro festivo, envolvendo a fogueira dolente, prosseguem até aos limites obscuros da aldeia, e continuam para além dela. Homens sisudos olham as labaredas fulvas, de mãos nos bolsos. Estalidos quentes irrompem pelo espaço cónico, que durante a tarde os rapazes da aldeia ergueram, feito de troncos de pinheiro e raízes de velhas oliveiras. Crianças irrequietas saltitam por ali, indiferentes a tudo. Um rapazito puxa pela aba do casaco do pai – Amo-te – “A – mo – te”. Ouvia o eco límpido das três sílabas, distintas, desventrando a noite (e a vida) como relâmpagos. Tinha a certeza que sim. A memória não o enganava. Não aquela memória límpida e cristalina. Já passaram anos. Mas como poderá algum dia esquecer esta simples palavra, estas três sílabas lúcidas. Tinha a certeza que fora esta a palavra proferida anos antes. «Mas o que é dizer?» Pensava para si mesmo. Afinal, as palavras são ocas. As palavras não trazem consigo o objecto a que se referem. Qual a diferença entre uma palavra sedutora, que nos enche e ilumina, mas que não têm qualquer substância, e outra, que ainda que seja uma profunda expressão da alma, não provoca qualquer ressonância em nós? As palavras são meras pontes, janelas que se abrem sobre o horizonte, não trazem consigo os automóveis que as atravessam, nem os pores-do-sol dourados. Ouviria aquele eco antigo até ao último soluço de vida. Aquela palavra, sedutora entre as sedutoras, que como todas as outras, retiradas todas as contingências e idiossincrasias, não é nada mais que o som produzido pelas cordas vocais, e refinado entre a ponta da língua, o céu-da-boca e o ligeiro toque nos dentes – ou o traço, mais ou menos arredondado, da tinta sobre o papel.
Era Natal. Mais um Natal frio, na aldeia. Há quantos anos se reuniam ali aqueles homens? E quantos antes deles, foram pelos campos granjeados, em busca de velhos troncos? Quantos depois dele viriam? «Poucos» Pensava. Quanto tempo falta para que a aldeia deixe de existir na memória dos seus habitantes, e comece a desaparecer entre os papéis pardos dos burocratas, ou entre os zeros e uns informáticos? Pela uma da manhã o adro dorme solitário, tremendo sob o lume crepitante. O vento zurze entre os galhos da tília, e o ar começa a arrefecer. A noite torna-se mais escura, coberta de espessas nuvens. Começa a nevar. A princípio, flocos minúsculos de neve, quase invisíveis, que se desfazem de imediato ao tocar o chão. Depois, durante minutos, vão ganhando consistência; deixam de ser transparentes, transformando-se em flocos alvos, que descem em espirais, em torno da fogueira, confundindo-se com as faúlhas apagadas que terminam o seu voo.



quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Fogueira de Natal

      Em muitas aldeias do Interior de Portugal, a noite de Consoada é tradição ser passada em volta da fogueira de Natal normalmente situada junto do adro da Igreja. Nalgumas delas, a fogueira de Natal tem início na noite de Consoada e mantem-se a arder até ao dia de Reis. Esta tradição teve origem em cultos pagãos, na celebração do solstício de Inverno, no qual se acendiam grandes fogueiras ao ar livre. Apesar do frio que se faz sentir por ser Inverno, as pessoas não deixam de participar nesta tradição e o calor da fogueira juntamente com alguns petiscos e o convívio entre o povo aquecem o ambiente.
      Antigamente enfeitavam-se os carros de bois ou mais recentemente os tratores para ir aos troncos, havendo sempre uma enorme folia no seu transporte até junto da igreja onde lhes pegavam fogo. Hoje em dia, procede-se por cá à recolha de lenha sem enfeitar os veículos de transporte. Nalgumas localidades apenas se acende a fogueira após a Missa do Galo, enquanto noutras com o cair da noite a fogueira é acesa. As pessoas juntavam-se perto da fogueira, chegada a hora iam à Missa do Galo e quando esta terminava reuniam-se de novo junto da fogueira e por ali partilhavam experiências e vivências e se mantinham noite fora. Além da fogueira de Natal por cá também é tradição as pessoas tocarem os sinos da igreja na noite de consoada lembrando a chegada do Menino Jesus.

Lá na minha aldeia
Fazia-se a fogueira de Natal
Todos juntos em assembleia
Era uma festa de afectos sem igual.

Homens, mulheres e crianças
No largo se juntavam em redor da fogueira
Havia música, alegria, carinho e esperanças
Mais um Natal, uma festa, uma vida inteira.

Os minutos corriam, as horas nem se viam passar
A noite chegava, a fogueira de Natal iam acender
Com lenha, pneus, para que não se pudesse apagar
Eu, e todos os participantes, jamais iremos esquecer…

Saudade de tempos passados, dos amigos!
Nos Natais todos eramos família
A fraternidade, os sorrisos, muitos sorrisos
Ecoavam, junto à fogueira de Natal que se fazia.

Mc Batista